segunda-feira, 18 de maio de 2020

O Comunismo e o Homem



Fulton J. Sheen
Santos, Beatos, Veneráveis e Servos de Deus: Venerável Servo de ...Nunca é demais repetir que o comunismo é menos um sistema econômico e político do que uma filosofia da vida. Karl Marx, o fundador do comunismo, só pensou em sua teoria econômica na última fase de sua vida. As primeiras décadas ele as passou estudando filosofia (ingleses) e a sociologia (franceses). Só depois foi que ele se voltou para a economia (alemães).O comunismo baseia-se numa falsa expectativa filosófica: a de que o homem tem poderes limitados e pode, sem ajuda divina, atingir a perfeição, e mesmo chegar a ser um deus. É por isso que a sua filosofia (que é uma forma falsa de humanismo) é conhecida como “humanismo ateísta” pelos professores.

Os comunistas acreditam que a injustiça social, a miséria e o egoísmo que nos cercam decorrem de influências de instituições como a propriedade privada ou a divisão da sociedade em classes. Os comunistas nunca culpam o arbítrio humano pelas catástrofes da sociedade. Eles fingem acreditar que o golfista nunca perde um golpe por fraqueza, cansaço ou falta de destreza; a culpa é sempre do taco, que foi feito defeituoso por culpa dos banqueiros de Wall Street. Só os capitalistas é que são perversos no esquema comunista; todos os demais são anjos em pecado.

Mas essa visão otimista da sociedade não capitalista não resiste à realidade dos fatos. Se o mal desaparecesse com o desaparecimento dos “capitalistas” não teria ocorrido o fenômeno do Estado Soviético, com seus campos de concentração e a matança de prisioneiros inocentes, julgamentos forjados e perseguições injustas.

As coisas não são más em si. Isso se aplica ao ouro, aos alimentos, ao poder, aos títulos público e ás funções de um governo eletivo. As coisas só ficam más quando os homens que as possuem abusam de seu poder. Por conseguinte a “equalização da propriedade” não pode trazer a compreensão entre os homens. O comunismo começou sugerindo que cada um chamasse o seu semelhante pelo nome doce de “camarada”; mas á medida que a filosofia maléfica do marxismo foi se desenvolvendo Stalin foi feito marechal e os “velhos bolchevistas” passaram a usar medalhas, cada uma delas para premiar a quebra de um mandamento de Deus.

A teoria comunista trás no seu âmago uma contradição singular: os marxistas nos dizem que cada homem foi “determinado” pelo seu meio, e que deve inevitavelmente combater ao lado de sua “classe”. Esse ponto de vista devia logicamente limpar toda responsabilidade de ordem moral; no entanto ninguém é mais severo do que os comunistas em castigar pecados como a “traição”.

Todas as depurações e toda as perseguições conduzidas pelos soviéticos admitem que o acusado precisa ser responsabilizado pelo que fez. Se não fosse assim – para que culpa-lo, para que castiga-lo, para que mata-lo ou prendê-lo? Os comunistas não podem escapar à consciência que procuram extirpar.

O sigilo e a decepção sistemática acompanham todo regime comunista. As causas levam a consequências parecidas. A propaganda comunista diz que a perfeição do homem virá com a ordenação mais justa das coisas. Mas os povos do mundo inteiro já ultrapassaram a fase do anseio por “coisas”, e aprenderam que o materialismo não é tudo. Os Estados Unidos gozam hoje de alto padrão de vida – o mais alto do mundo, mas em suas fronteiras vivem a mais alta percentagem de psicopatas e neuróticos de todos os tempos. A pobreza não é a única causa de desespero.

Numa conversa ouvida há poucos dias entre duas mulheres, captei este comentário: “Você pensa que a sua vida é difícil! E a minha? Imagine que há quatro anos eu tenho trabalhado para me sustentar”.
Para essa mulher o trabalho é um forma de castigo e uma injustiça – é um martírio também! No entanto o trabalho é contentamento para aqueles que encaram o mundo que os cerca como uma coisa para ser amada e servida, e pão para ser aproveitada.

Acentuar o lado econômico, como fazem os marxistas, é fazer cada homem um egoísta e um materialista – e esse caminho ainda não levou o mundo á felicidade. Ser cristão é acentuar o lado espiritual e trabalhar para servi-lo e ampliar seus limites. Nesse caminho está a alegria e o contentamento dos santos.

---------------------------------------
Jornal do Dia (RS), sábado, 08-12-1951.



quarta-feira, 13 de maio de 2020

COMO SER VERDADEIRAMENTE FELIZ




VENERÁVEL DOM FULTON J. SHEEN

Todos querem ser felizes, mas apenas poucos podem alegar que possuem a felicidade. As duas principais razões de infelicidades são as seguintes:

1- A felicidade, em geral, é considerado como algo fora de nós mesmos, como, por exemplo, uma casa de verão, um convite para um “importante” coquetel ou devido a um novo carro em que há mais lugar no compartimento de bagagem do que no assento de trás. Se a felicidade, porém, tornar-se dependente de um prazer que outrem nos proporciona, ou de uma honra, então é algo que se encontra fora de nosso controle. Está ela em nós, mas além de nós.

2- A felicidade também muitas vezes se identifica com a satisfação do nosso ego. O egoísta nunca admite que o é; diz ele que apenas não deseja que “alguém lhe leve o melhor” o ego é a criança mimada em nós — petulante, clamorosa, rixenta e crítica. O egoísta quer louvores pelo que faz bem, mas paga sua culpa quando faz mal. O egoísta deseja tanto ser amado que se esquece de amar e, por isso, jamais é feliz.

Quais são as condições de felicidade? A primeira é a eliminação do egostismo ou egoísmo através da ajuda de outros. A renúncia do eu por outrem exige a repressão constante daquelas características de nossa personalidade que tendem a aviltá-la.

O maior filósofo pré-cristão, Aristóteles, certa feita analisou as duas tendências que mais precisam ser vencidas em nós e depois sugeriu a maneira de consegui-lo. As duas tendências são o mau gênio e os desejos desenfreados. Nem sempre esses dois elementos se apresentam juntos. O jovem é mais inclinado ao descontrole e seus apetites carnais ou sensuais e os velhos ou os de meia idade são mais dados a sublimar o sexo com o desequilíbrio, queixas e criticismo.

A ajuda a outrem é o corretivo para as ambas. O temperamento é controlado porque a condição primeira da ajuda é a bondade para com os demais. Não se pode imaginar um médico, enfermeiro ou capelão de gênio violento numa colônia de lázaros. Como podem queixar-se os lábios quando as chagas leprosas são como bocas implorando piedade e compaixão?

A ajuda de outros também detêm os desejos impetuosos devido ao elevado respeito e amor para com os demais. Procura-se mais agora proporcionar felicidade a outrem do que dar prazer ao próprio eu. Quando a paixão começa a assumir o mesmo significado que tem quando aplicam ao Calvário, onde falamos da “Paixão do Cristo”, então ela se elava ao amor em sua expressão alta.

Nada contribui tão rapidamente para a felicidade própria quanto o esquecimento do ego. O pássaro que canta para os outros alegra seu coração.

Os dois óbulos das viúvas, a sombra fugaz de Damião entre os leprosos, o vaso de alabastro quebrado de Madalena — todas essas coisas levaram a verdadeira felicidade a estas almas. Na noite em que Nosso Senhor saiu para sua morte para salvar a humanidade Ele cantou. Foi a única vez que se registra que Ele cantou, e foi na hora do ofício que era a renúncia. Este Divino Exemplo é necessário para inspirar esquecimento próprio. Assim como a roda de moinho pára de girar quando as águas do regato são detidas, assim também degenerará a caridade neste mundo em ações frias, estatísticas profissionais a menos que sejam inspiradas por Ele que disse: “Eu vim não para ser servido, mas para servir”.



-----------------------------------------------
A CRUZ — ANO XLIX, CUIABÁ, 24 DE AGOSTO DE 1958, N. 2.251

Páscoa


Venerável Dom Fulton J. Sheen



Muitos espíritos consideram desesperançados nosso mundo moderno. É, na verdade, como uma grande e horrível Sexta-Feira da Paixão em que tudo o que é divino parece afundar-se na derrota. O futuro nunca pareceu tão completamente imprevisível como é hoje. A humanidade parece numa espécie de viuvez, em que um crescente sentido de desolação a arrasa, como a alguém que empreendesse a jornada da vida em íntima camaradagem com outra e, depois, se visse, repentinamente, roubada daquela companhia para sempre. Há guerra e rumores de guerra. A economia se emaranha numa confusão. O comunismo rouba homens de suas almas e uma educação falsa as afasta de sua fé. As vidas tornam rasas com a mundanidade e mal preparadas para os rigores de uma disciplina forçada. Abundam as vulgaridades nos lábios e os desejos não realizados tornam amargos os corações. Há confusão, desesperança e desespero em toda a parte.

E, no entanto, não há necessidade da desesperança e desepero. O mundo parecia desesperançado do mesmo modo antes, quando crucificou seu Salvador; e, no entanto, com todo seu paganismo e nacionalismo, ergueu-se para o verdor e o vigor da vida Cristã e da civilização. O milagre da Ressureição pode repertir-se. O mundo pode levantar-se uma vez mais como ergueu-se antes, pelo menos umas doze vezes desde o advento do Cristianismo. Mas não tenhamos ilusões. não se erguerá para a paz e para a felicidade somente através de remédios econômicos e políticos: só levantar-se-á através de uma regeneração espiritual dos corações e das almas dos homens. A Ressureição de Nosso Senhor não foi o reinicio de uma velha vida: foi o começo de uma vida nova. Foi a lição do Natal por inteiro outra vez: isto é, o mundo não será salvo pela recuperação social, mas por renascimento — renascimento dos mortos pelo Poder da Divindade em Cristo.

Não devemos reconstruir nossa velha vida; devemos erguer-nos para nova vida. Deve haver uma energia nova introduzida de fora, pois sem ela devemos apodrecer em nossas sepulturas.

Cristo ressurgiu dos mortos pelo Poder de Deus. É inutil para nós tentarmos erguer-nos por qualquer outro Poder. Esta Vida e Poder o Salvador Ressurecto deu a Seu Corpo Místico, a Igreja. Sua Verdade vem até nós através de Seu Vigário: Sua Vida chega até nós através dos Sacramentos; Sua Autoridade vem até nós através do Episcopado. Mas, aqui, está o obstávulo do mundo. Pode admitir que, pelo Poder de Deus, Cristo levantou-se do túmulo mas não admitirá que o Poder do Cristo Ressurecto continua além do túmulo. Vê a Igreja pelo seu lado humano, constituída de criaturas débeis e fracas e, por conseguinte, como algo que deve ser desprezado. Cai no mesmo erro que Maria Madalena cometeu na primeira manhã de Páscoa. Ela confundiu o Salvador Ressurecto com o jardineiro, isto é, com uma coisa humana simplesmente. O mundo também vê Cristo Ressurecto em Seu Corpo Místico, a Igreja e a julga o jardinieor — algo humano e não divino. Mas a Divindade ai está como esteve no Jardim a Primeira Páscoa e somente essa mesma Divindade pode dar esperança a um mundo desesperado. Podemos contudo obter noss paz de espírito se procurarmos não somente político e o econômico, mas a nova Vida do Reino de Deus. Está a mensagem do Dia de Páscoa — a Ressureição dos Mortos o Triunfo dos Vencidos, o Encontro dos Perdidos; a primavera da terra, o altar da vida, a Trombeta da Ressurreição soando sobre a terra dos vivos.

Mas para todas as almas a mensagem da Páscoa soa com a significação de que não há razão para o desespero. A Ressurreição foi anunciada a Madalena — uma alma em certa ocasião como a nossa própria. A paz nos espera no culto de Deus que nos criou. Não importa o quanto desesperançadas pareçam coisas há sempre esperança pois Cristo é a Ressurreição e a Vida Aquele que pode fazer flocos de neve de gotas de água suja, diamantes de carvão, e santos de Madalenas pode também fazer-nos vitorioso se apenas confessarmos a Ele em Sua Vida Mística e terrena como Cristo, o Filho do Deus Vivo.

--------------------------------------------
Jornal do Dia — Domingo 17 -4–1960

Aos que trabalham para Deus


Por Dom Fulton Sheen



Os que trabalham para adquirir fortuna, gozar a vida, ou talvez para existir apenas, encaram o trabalho dum ponto de vista totalmente diverso do adotado pelo indivíduo que trabalha para Deus. A característica peculiar deste último é não considerar como lícito, após a realização de todas as suas tarefas, entregar-se à vaidade de pensar que fez algo extraordinário ou mereceu recomendação especial, pois tudo o que foi feito pertence a Deus. Não se queixará de tarefas recebidas, nem se lastimará da sua tremenda dificuldade, como se estivesse submetido a uma espécie de martírio. Além disso, não andará à procura de recompensa extraordinária, como se fosse ele o alvo dos seus esforços e não o serviço Daquele que amamos.

A diferença entre os que trabalham para si mesmos e os que trabalham para Deus é a diferença que existe entre um servente pago pela casa e o filho que trabalha por amor aos seus pais. Quando a vida de uma mãe entra em questão, ninguém poderá persuadir uma filha a tomar descanso. Todos os padrões do “devo isto, basta aquilo, isso é legal” são destruídos e superados pelo amor. O amor transforma o trabalho a tal ponto, que quase chega a cessar de haver trabalho onde houver o amor.
Enquanto o trabalho for a mera execução de ordens alheias, sua tendência é tornar-se mecânico e metódico.

Mas, quando alguém se identifica, interiormente, com seu trabalho, quando o trabalho se torna expressão do grande ideal e instrumento de simpatia e afeição e afeição, principalmente quando toma o caráter de paixão e entusiasmo, transcende todos os vínculos de automatismo.

Os sentimentos com que o paciente recebe o médico em suas visitas remuneradas diferem dos que animam, quando o médico entra dizendo: “Vim apenas saber se está passando bem”. Nosso Bendito Senhor não teve palavras de agradecimento para o servo resmungando que, ao sentar-se à mesa, após o dia de arado no campo, se queixa do trabalho. Os que amam o Mestre nunca pensam em sacrifício. Não pode ser chamado de sacrifício tudo aquilo que foi pago meramente como pequena retribuição parcial de uma dívida para com Deus, a qual jamais poderá ser compensada.

A honestidade de intenção, a pureza e sinceridade dos motivos, a alegria com que nos colocamos ao trabalho, vale mais perante Deus do que a quantidade de trabalho realizado. Segundo sua palavra deveríamos até nos contentar com servir à mesa do Padrão, após havermos arado o campo e tratado dos animais. Embora tenhamos que comer e beber mais tarde, devemos trabalhar para Sua Glória, comendo assim o nosso pão, com alegria e singeleza de alma, não apenas no intento do prazer, e sim pelo fito de renovar as forças para servi-lo. Basta a criação, sem falar da Redenção, para nos ligar a uma dívida para com Deus que nem os nossos credores mais conscienciosos jamais poderiam pagar. Se os nossos melhores serviços não conseguem descontar seus favores passados, muito menos ainda os podemos exigir para o futuro. Qualquer encorajamento que Ele nos dê, anexo a nossa obediência, será reconhecido como pura bondade de graça e amor.

Há uma linda história sobre Brasidas, o grande Espartano. Ao queixar-se de que Esparta era um Estado muito pequeno, a mãe lhe replicou: “Filho, a sorte e deu Esparta como quinhão, e teu dever é aprimorá-la”. Todos nós somos trabalhadores desse mundo, e sem considerar o quinhão que nos caiu por sorte, o dever é sempre o mesmo — aprimorá-lo.

________________________________________
Publicado no Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, sexta-feira, 8 de abril de 1960.