quarta-feira, 13 de maio de 2020

Aos que trabalham para Deus


Por Dom Fulton Sheen



Os que trabalham para adquirir fortuna, gozar a vida, ou talvez para existir apenas, encaram o trabalho dum ponto de vista totalmente diverso do adotado pelo indivíduo que trabalha para Deus. A característica peculiar deste último é não considerar como lícito, após a realização de todas as suas tarefas, entregar-se à vaidade de pensar que fez algo extraordinário ou mereceu recomendação especial, pois tudo o que foi feito pertence a Deus. Não se queixará de tarefas recebidas, nem se lastimará da sua tremenda dificuldade, como se estivesse submetido a uma espécie de martírio. Além disso, não andará à procura de recompensa extraordinária, como se fosse ele o alvo dos seus esforços e não o serviço Daquele que amamos.

A diferença entre os que trabalham para si mesmos e os que trabalham para Deus é a diferença que existe entre um servente pago pela casa e o filho que trabalha por amor aos seus pais. Quando a vida de uma mãe entra em questão, ninguém poderá persuadir uma filha a tomar descanso. Todos os padrões do “devo isto, basta aquilo, isso é legal” são destruídos e superados pelo amor. O amor transforma o trabalho a tal ponto, que quase chega a cessar de haver trabalho onde houver o amor.
Enquanto o trabalho for a mera execução de ordens alheias, sua tendência é tornar-se mecânico e metódico.

Mas, quando alguém se identifica, interiormente, com seu trabalho, quando o trabalho se torna expressão do grande ideal e instrumento de simpatia e afeição e afeição, principalmente quando toma o caráter de paixão e entusiasmo, transcende todos os vínculos de automatismo.

Os sentimentos com que o paciente recebe o médico em suas visitas remuneradas diferem dos que animam, quando o médico entra dizendo: “Vim apenas saber se está passando bem”. Nosso Bendito Senhor não teve palavras de agradecimento para o servo resmungando que, ao sentar-se à mesa, após o dia de arado no campo, se queixa do trabalho. Os que amam o Mestre nunca pensam em sacrifício. Não pode ser chamado de sacrifício tudo aquilo que foi pago meramente como pequena retribuição parcial de uma dívida para com Deus, a qual jamais poderá ser compensada.

A honestidade de intenção, a pureza e sinceridade dos motivos, a alegria com que nos colocamos ao trabalho, vale mais perante Deus do que a quantidade de trabalho realizado. Segundo sua palavra deveríamos até nos contentar com servir à mesa do Padrão, após havermos arado o campo e tratado dos animais. Embora tenhamos que comer e beber mais tarde, devemos trabalhar para Sua Glória, comendo assim o nosso pão, com alegria e singeleza de alma, não apenas no intento do prazer, e sim pelo fito de renovar as forças para servi-lo. Basta a criação, sem falar da Redenção, para nos ligar a uma dívida para com Deus que nem os nossos credores mais conscienciosos jamais poderiam pagar. Se os nossos melhores serviços não conseguem descontar seus favores passados, muito menos ainda os podemos exigir para o futuro. Qualquer encorajamento que Ele nos dê, anexo a nossa obediência, será reconhecido como pura bondade de graça e amor.

Há uma linda história sobre Brasidas, o grande Espartano. Ao queixar-se de que Esparta era um Estado muito pequeno, a mãe lhe replicou: “Filho, a sorte e deu Esparta como quinhão, e teu dever é aprimorá-la”. Todos nós somos trabalhadores desse mundo, e sem considerar o quinhão que nos caiu por sorte, o dever é sempre o mesmo — aprimorá-lo.

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Publicado no Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, sexta-feira, 8 de abril de 1960.



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