Por Dom Fulton Sheen
Os que trabalham para adquirir
fortuna, gozar a vida, ou talvez para existir apenas, encaram o trabalho dum
ponto de vista totalmente diverso do adotado pelo indivíduo que trabalha para
Deus. A característica peculiar deste último é não considerar como lícito, após
a realização de todas as suas tarefas, entregar-se à vaidade de pensar que fez
algo extraordinário ou mereceu recomendação especial, pois tudo o que foi feito
pertence a Deus. Não se queixará de tarefas recebidas, nem se lastimará da sua
tremenda dificuldade, como se estivesse submetido a uma espécie de martírio.
Além disso, não andará à procura de recompensa extraordinária, como se fosse
ele o alvo dos seus esforços e não o serviço Daquele que amamos.
A diferença entre os que
trabalham para si mesmos e os que trabalham para Deus é a diferença que existe
entre um servente pago pela casa e o filho que trabalha por amor aos seus pais.
Quando a vida de uma mãe entra em questão, ninguém poderá persuadir uma filha a
tomar descanso. Todos os padrões do “devo isto, basta aquilo, isso é legal” são
destruídos e superados pelo amor. O amor transforma o trabalho a tal ponto, que
quase chega a cessar de haver trabalho onde houver o amor.
Enquanto o trabalho for a mera
execução de ordens alheias, sua tendência é tornar-se mecânico e metódico.
Mas, quando alguém se identifica,
interiormente, com seu trabalho, quando o trabalho se torna expressão do grande
ideal e instrumento de simpatia e afeição e afeição, principalmente quando toma
o caráter de paixão e entusiasmo, transcende todos os vínculos de automatismo.
Os sentimentos com que o paciente
recebe o médico em suas visitas remuneradas diferem dos que animam, quando o
médico entra dizendo: “Vim apenas saber se está passando bem”. Nosso Bendito
Senhor não teve palavras de agradecimento para o servo resmungando que, ao
sentar-se à mesa, após o dia de arado no campo, se queixa do trabalho. Os que
amam o Mestre nunca pensam em sacrifício. Não pode ser chamado de sacrifício
tudo aquilo que foi pago meramente como pequena retribuição parcial de uma
dívida para com Deus, a qual jamais poderá ser compensada.
A honestidade de intenção, a
pureza e sinceridade dos motivos, a alegria com que nos colocamos ao trabalho,
vale mais perante Deus do que a quantidade de trabalho realizado. Segundo sua
palavra deveríamos até nos contentar com servir à mesa do Padrão, após havermos
arado o campo e tratado dos animais. Embora tenhamos que comer e beber mais
tarde, devemos trabalhar para Sua Glória, comendo assim o nosso pão, com
alegria e singeleza de alma, não apenas no intento do prazer, e sim pelo fito
de renovar as forças para servi-lo. Basta a criação, sem falar da Redenção,
para nos ligar a uma dívida para com Deus que nem os nossos credores mais
conscienciosos jamais poderiam pagar. Se os nossos melhores serviços não
conseguem descontar seus favores passados, muito menos ainda os podemos exigir
para o futuro. Qualquer encorajamento que Ele nos dê, anexo a nossa obediência,
será reconhecido como pura bondade de graça e amor.
Há uma linda história sobre
Brasidas, o grande Espartano. Ao queixar-se de que Esparta era um Estado muito
pequeno, a mãe lhe replicou: “Filho, a sorte e deu Esparta como quinhão, e teu
dever é aprimorá-la”. Todos nós somos trabalhadores desse mundo, e sem
considerar o quinhão que nos caiu por sorte, o dever é sempre o mesmo —
aprimorá-lo.
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Publicado no Jornal do Commercio,
Rio de Janeiro, sexta-feira, 8 de abril de 1960.
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