sábado, 24 de setembro de 2011

A relação da Igreja com o Estado



A relação da Igreja com o Estado

Pelo Beato João Paulo II*

As tarefas missionárias da Igreja são realizadas em uma sociedade concreta e no território de um determinado Estado. Como vê, Santo Padre, a relação da Igreja com o Estado na situação atual?

Lê-se na constituição Gaudium Et Spes: “No domínio próprio de cada uma, comunidade política e Igreja são independentes e autônomas. Mas, embora por títulos diversos, ambas servem a vocação pessoal e social dos mesmos homens. E tanto mais eficazmente exercitarão este serviço para bem de todos, quanto melhor cultivarem entre si uma sã cooperação, tendo igualmente em conta as circunstâncias de lugar e tempo. Porque o homem não se limita à ordem temporal somente; vivendo na história humana, fundada sobre o amor do Redentor, ela contribui para que se difundam mais amplamente, nas nações e entre as nações, a justiça e a caridade. Pregando a verdade evangélica e iluminando com a sua doutrina e o testemunho dos cristãos todos os campos da atividade humana, ela respeita e promove também a liberdade e responsabilidade política dos cidadãos.”(nº 76) O significado que o Concílio dá ao termo “separação” entre a Igreja e o Estado está muito longe daquele que lhe quereriam atribuir os sistemas totalitários, tendo isso constituído, sem dúvida, uma surpresa e, em certo sentido, também um desafio para numerosos países, especialmente governados por regimes comunistas. É claro que estes regimes não podiam rejeitar tal posição do Concílio, mas ao mesmo tempo davam-se conta de que a mesma colidia com o conceito que tinha de separação entre Igreja e o Estado; de fato, na visão deles, o mundo pertence exclusivamente ao Estado, enquanto a Igreja tinha o seu âmbito próprio fora, por assim dizer, das “fronteiras” do mundo. A perspectiva conciliar sobre a Igreja “no”  mundo rejeita tal interpretação: para a Igreja, o mundo é uma tarefa e um desafio; ele o é para todos os cristãos, mas de modo particular para os católicos leigos. O Concílio abordou com decisão a questão do apostolado dos leigos, isto é, da presença ativa dos cristãos na vida social. Ora, precisamente este âmbito, segundo a ideologia marxista, deveria constituir domínio exclusivo do Estado e do partido.

Não é inútil recordar isto, porque hoje há partidos que, não obstante a sua matriz seguramente democrática, mostram uma crescente propensão para interpretar o princípio da separação entre Igreja e o Estado segundo a visão própria dos governos comunistas. Naturalmente, agora as sociedades dispõem de meios adequados de autodefesa; devem apenas querer aplicá-los. Mas, precisamente a tal respeito, suscita preocupação uma certa passividade que se nota no comportamento dos cidadãos crentes; dá a impressão de que eles outrora tinham uma sensibilidade mais viva dos seus direitos na visão no âmbito religioso e, conseqüentemente, uma propensão mais pronta para defendê-los com os meios democráticos ao seu dispor. Hoje, tudo isto aparece de certo modo atenuado, senão mesmo refreado, devido talvez a uma insuficiente preparação das elites políticas.

No século XX, muit se fez para que o mundo deixasse de crer e rejeitasse Cristo; no declinar do século – e simultaneamente do milênio -, tais forças destrutivas debilitaram-se, deixando, porém, atrás de si uma grande devastação: trata-se de uma devastação das consciências, com conseqüências calamitosas nos âmbitos da moral tanto pessoal como familiar, bem como da ética social. Os pastores de almas, que estão diariamente em contato com a vida espiritual do homem, sabem disso melhor que ninguém; quando tenho ocasião de falar com eles, ouço freqüentemente confissões assustadoras, a ponto de, nesta transição de milênio, se poder infelizmente designar a Europa como o continente das devastações. Os programas políticos, orientados primariamente para o progresso econômico, não bastarão sozinhos para curar tais chagas; pelo contrário, podem até agravá-las. Aqui abre-se à Igreja um campo enorme de trabalho; a colheita evangélica, tal como se apresenta no mundo contemporâneo,  é verdadeiramente grande, é preciso suplicar ao Senhor – e com insistência – que mande trabalhadores para esta colheita à espera de ser recolhida. 

Trecho retirado do livro: Memória e Indentidade, autoria de João Paulo II. Publicado pela editora Objetiva, 2005. Capítulo 20 A relação da Igreja com o Estado. página 136. 

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