COMO SE PROPAGAM AS IDEOLOGIAS
Disponível: https://livraria.camara.leg.br/interpretacao-da-realidade-brasileira
O problema, fundamental, não está em saber como um determinado cidadão adotou, de repente, uma posição ideológica – o que
nos interessa é o fato de transformar-se uma doutrina em ideologia,
de difundir-se afinal. Geralmente, quando lemos um livro e ele nos
agrada, nos convence, nos estimula, isto significa que o autor disse,
clara e explicitamente, o que já estava em nosso coração...
Vamos estabelecer algumas das razões básicas para a transformação de uma doutrina em ideologia, razões que, igualmente,
servem para explicar as motivações particulares e o nascimento
das doutrinas nos mestres.
Podemos fixar as razões em duas categorias básicas:
a) psicológicas;
b) sociológicas.
A) Causas Psicológicas
Há motivações psicológicas perfeitamente definidas. Talvez
a mais importante das bases psicológicas para a formação de ideologias é a ligada ao ressentimento, cuja importância Nietzsche e
Scheler souberam estudar em páginas clássicas. Para resumir,
podemos dizer que o ressentido nega o valor daquilo que não pode
atingir. O ressentido passa a considerar mau o bom, pequeno o
grande, feio o belo, simplesmente por estar fora do alcance de seu
poder, como a raposa da fábula que considerou verdes as inatingíveis uvas. É um caso de desvalorização de valores. Eis o que diz
Scheler:
O ponto de partida mais importante na formação do ressentimento é o impulso de vingança. Já a palavra ‘ressentimento’ indica, como dissemos, que as emoções aqui
referidas são emoções baseadas na prévia apreensão
dos sentimentos alheios; isto é, que se trata de reações.
Impulso reativo é, com efeito, o impulso de vingança, diferentemente dos impulsos ativos e agressivos, de direção
amistosa ou hostil. Um ataque ou uma ofensa precede a todo
impulso de vingança. Mas o importante é que o impulso de
vingança não coincide, em hipótese alguma, com o impulso
para o contra-ataque ou defesa, mesmo quando esta reação
vá acompanhada de cólera, furor ou indignação. Quando,por exemplo, um animal agredido morde seu agressor, isto
não se pode chamar vingança. Tampouco o contra-ataque
imediato a uma bofetada é vingança. Dois caracteres são
essenciais para a existência da vingança: um refreamento
e detenção, momentâneos pelo menos (ou que duram um
tempo determinado), do contraimpulso imediato (e dos
movimentos de cólera e furor enlaçados com ele), e um aprazamento da contrarreação para outro momento e situação
mais apropriada (‘Você não perde por esperar...’). Este
refreamento, porém, é devido à previsora consideração de
que a contrarreação imediata seria fatal. Um caso de sentimento de ‘importância’ vai enlaçado, pois, com esta consideração. A vingança em si é, pois, uma vivência que se
baseia em outra vivência de impotência; sempre, portanto,
sempre, coisa do ‘fraco’ em algum ponto. De resto pertence à essência da vingança o conter sempre a consciência
de ‘isto por isto’, o não representar nunca, portanto, uma
simples contrarreação acompanhada de emoções. Graças a
estes dois caracteres, o impulso de vingança é o ponto de
partida mais próprio para a formação do ressentimento.
Nossa língua (alemã) estabelece finas diferenças. Desde o
sentimento de vingança, passando pelo rancor, pela inveja
e pela ojeriza, até à perfídia, corre uma gradação do sentimento e do impulso que chega à cercania do ressentimento
propriamente dito. A vingança e a inveja têm objetos determinados as mais das vezes. Estes modos da negação hostil
necessitam motivos determinados para aparecer; estão
ligados, em sua direção, a objetos determinados, de modo
que desaparecem com o desaparecimento destes motivos.
A vingança conseguida faz desaparecer o sentimento de vingança, e, analogamente, o castigo daquele a quem aponta o
impulso de vingança; por exemplo: o autocastigo. Também
a inveja desaparece quando o bem pelo qual invejo alguém
se faz meu. A ojeriza, ao contrário, é uma atitude, que não
está ligada a objetos determinados, no mesmo sentido; não
surge por motivos determinados, para desaparecer com
eles. Antes, são buscados aqueles objetos e aqueles valores
de coisas e pessoas, nos quais possa satisfazer-se a inveja.
O rebaixá-lo e derrubá-lo de seu pedestal é próprio desta
disposição. A crescente atenção que despertam os valores
negativos de coisas e pessoas, justamente por aparecerem
unidos com fortes valores positivos num e no mesmo objeto;
o deter-se nestes valores negativos, com um acentuado sentimento de prazer no fato de sua existência, converte-se
numa forma fixa das vivências, na qual podem encontrar
lugar as matérias mais diferentes. Em quem tem ojeriza, a
experiência particular e concreta da vida toma essa forma
ou estrutura, eleita como real entre a experiência somente
possível. O despertar da inveja já não é o mero efeito de
tal experiência, e a experiência se forma com total indiferença com relação a se seu objeto tem uma relação, direta
ou indireta, com o possível dano ou proveito do indivíduo
correspondente. Na ‘perfídia’, o impulso detrativo se fez
mais fundo e mais íntimo ainda; está disposto sempre, por
assim dizer, a saltar e adiantar-se num gesto impensado,
num modo de sorrir, etc. Um caminho análogo vai desde a
simples ‘alegria do mal alheio’ até a ‘maldade’; esta procura
provocar novas ocasiões de alegrar-se do mal alheio, e se
mostra já mais independente de objetos determinados que a
alegria do mal alheio. Mas nada disto é ressentimento. São
só estádios no processo de seus pontos de partida. O sentimento de vingança, a inveja, a ojeriza, a perfídia, a alegria
do mal alheio e a maldade não entram na formação do ressentimento, senão ali onde não tem lugar nem uma vitória
moral (na vingança, por exemplo, um verdadeiro perdão),
nem uma ação ou – respectivamente – expressão adequada da emoção em manifestações externas; por exemplo:
insultos, movimentos dos punhos, etc.; e se não têm lugar,
é porque uma consciência, ainda mais acusada da própria
impotência, refreia semelhante ação ou expressão. Aquele
que, ávido de vingança, é arrastado à ação por seu sentimento, e se vinga; aquele que odeia e causa um dano ao
adversário, ou, pelo menos, lhe diz ‘sua opinião’ ou o ofende
diante dos outros; o invejoso que procura adquirir o bem que
inveja, mediante o trabalho, a trapaça ou o crime e a violência, não incorrem em ressentimento. A condição necessária para que este surja dá-se tão só ali onde uma especial
veemência destes afetos vai acompanhada pelo sentimento
da impotência para traduzi-los em atividade; e então se
‘exasperam’, seja por fraqueza corporal ou espiritual, seja
por temor e pânico àquele a quem se referem tais emoções.
O ressentimento fica circunscrito por sua base aos servos e
dominados, aos que se arrastam e suplicam, em vão, contra o
guante de uma autoridade. Quando se apresenta em outros,ou existe uma transmissão por contágio psíquico – especialmente fácil para o veneno psíquico do ressentimento,
extraordinariamente contagioso –, ou há na pessoa um
impulso violentamente reprimido, do qual o ressentimento
toma seu ponto de partida e que se resolve nesta forma de
uma personalidade ‘amargada’ ou ‘envenenada’. Quando
um servidor maltratado pode ‘desafogar-se’ na copa, não
incorre nessa ‘venenosidade’ interna que caracteriza o ressentimento; mas sim, ao contrário, quando é preciso ‘rir na
tristeza’ (como tão plasticamente diz o brocardo) e sepulta
em seu íntimo os afetos de repulsa e hostilidade.2
Há ressentimentos individuais, fenômeno muito conhecido,
e ressentimentos coletivos, quando minorias, mesmo maiorias,
religiosas, étnicas, ou políticas, passam a adotar uma posição de
negação em face de um conjunto de valores, condenados em bloco.
Os fenômenos são bem conhecidos, e, talvez, não precisemos
documentá-los exaustivamente – e depois das finas análises de
Scheler acerca do ressentimento da formação da moral, nada se
precise dizer a respeito. Caso de ressentimento muito interessante
que não tem sido considerado devidamente é o das relações entre
os intelectuais e a sociedade industrial, e as pessoas que o estudam
geralmente o fazem em função desse ressentimento, expressando,
em suas análises, exatamente a situação que deve ser estudada objetivamente. Trata-se do seguinte: numa sociedade essencialmente
agrária, o intelectual, quase sempre, é um porta-voz dos agricultores, impondo-lhes, todavia, seus pontos de vista – os agricultores,
não podendo exercer o poder, pela distância entre as fazendas e as
cidades, não sabendo manejar facilmente os conceitos e não conhecendo os meios de ação, entregam-se em mãos dos intelectuais, que
admiram. Numa sociedade industrializada, os homens de empresa,
instalados no coração das cidades, sabendo manejar diretamente
as alavancas do poder, reduzem os intelectuais à condição de servidores, como advogados, políticos, jornalistas, técnicos, etc. Não
é curioso o fato de vermos os grandes intelectuais do século XIX
hostilizarem as consequências econômicas do liberalismo? Se considerarmos lado a lado, Karl Marx, o socialista, falando em nome
do proletariado, Balzac, o legitimista, falando em nome da aristocracia, vemos, sempre, o mesmo protesto contra a burguesia que subia... Ambos expressão do mesmo ressentimento do intelectual
contra o homem de empresa numa sociedade industrial.
Dois exemplos, nossos, e muito interessantes: como a Abolição foi obra da Princesa Isabel, os fazendeiros começaram a votar
nos candidatos republicanos – os valores próprios e essenciais da
monarquia foram negados, em virtude da mágoa provocada pelo
gesto da soberana... Outro: como reconhecer que a independência
do Brasil foi obra da monarquia (D. Pedro I) e como isto seria, afinal,
admitir a legitimidade essencial e indiscutível do regime monárquico, por motivos objetivamente fundados e livres de contestação,
os historiadores republicanos se esforçam, constantemente, em
retirar a importância da ação de D. Pedro, e procuram acentuar a
posição do Tiradentes...
Mas não é o ressentimento a única influência psicológica
na difusão das ideologias. Outra, muito importante, dá-nos a psicanálise. Os choques de vontade e os conflitos de autoridade surgidos no seio da constelação familiar não são essencialmente de
fundo erótico, mas ligados às tendências de autoafirmação, criam
uma série de complexos, com importantes ressonâncias políticas.
Podemos dizer que há um “complexo de Bruto”, que é a atitude
antirrégia sistemática e universal. Começa com a agressividade do
filho contra o pai, adianta-se no aluno contra o professor, e segue
para a hostilidade permanente à autoridade como tal. É notório que
as rainhas são bem recebidas e que os Bourbons e os Habsburgos
tiveram maiores dificuldades modernamente, não por tendências
absolutistas, mas por serem mais visivelmente afirmativos como
homens e como reis. Certos casos como o do Brasil são quase vertiginosos – combatia-se, em D. Pedro II, acima de tudo a projeção da
figura paternal...
Um fenômeno que confirma o fato é a tolerância ao ditador
em face da agressividade ao rei, mesmo tranquilos e inócuos reis
constitucionais. Um ditador pode mandar matar e fuzilar; mas,
como seu poder nasce de circunstâncias ligadas à vontade dos
homens, podemos tirar o ditador e pôr outro no lugar. Um rei nasce
feito, não depende dos homens, não é criatura da vontade nossa.
Não podemos aprofundar, aqui, toda a questão das ligações entre a
psicanálise e as ideologias. O fato é conhecido e basta registrá-lo.
E, não fora o medo da generalização e da simplificação, poderíamos
dizer que o republicanismo e todas as formas de anarquismo e anomismo derivam de uma atitude de agressividade à figura
paterna, e expressão do complexo de Édipo – e a aceitação dos
valores de autoridade e de lei, um sinal de harmonia tranquila com
o poder paterno. Auguste Comte, que não apreciava a discussão e o
debate, e tinha em santo horror o “metafisismo democrático”, não
queria uma realeza hereditária, mas uma ditadura, como não queria
uma religião com um Deus, mas com uma deusa – a Humanidade...
B) Causas Sociais
A importância dos fundamentos sociais na formação e
difusão das ideologias não precisa ser assinalada com muita ênfase,
pois o marxismo elevou isto à condição de princípio universal, em
bases por assim dizer totais e em proporções muito exageradas.
O erro essencial do marxismo, no caso, pode ser capitulado em
estabelecer uma ligação direta entre a classe social estritamente
considerada e a ideologia e de haver transformado isto em princípio
único, o que é, obviamente, falso. É, quiçá, perigoso afirmarmos
existirem ideologias especificamente burguesas ou proletárias.
Scheler, com mais objetividade e profundidade, fixa a questão em
termos de “classe alta” e de “classe baixa”, melhor ainda, em “classe
descendente” ou “classe ascendente”. Certamente há posições que
podem ser tipicamente burguesas, mas podem ser de classe em luta
para obtenção do poder, ou em luta para a conservação do poder.
A classificação de Scheler é a seguinte:
1. Prospectivismo de los valores en la conciencia del tempo –
clase baja; retrospectivismo – clase alta.
2. Punto de vista de la génesis – clase baja; punto de vista del
ser – clase alta.
3. lnterpretación mecánica del mundo – clase baja; interpretación
teleológica del mundo – clase alta.
4. Realismo (el mundo preponderantemente como “resistencia”) –
clase baja; idealismo – clase alta (el mundo preponderantemente como
“reino de ideas”).
5. Materialismo – clase baja; espiritualismo – clase alta.
6. Inducción, empirismo – clase baja; saber a priori, racionalismo
– clase alta.
7. Pragmatismo – clase baja; intelectualismo – clase alta.
8. Visión optimista del futuro y retrospección pesimista – clase
baja, perspectiva pesimista del futuro y retrospección optimista,
“aquellos buenos tiempos” – clase alta.
9. Modo de pensar que busca las contradicciones o modo de pensar
“dialéctico” – clase baja; modo de pensar que busca la identidad – clase
alta.
10. Pensar inspirado por la teoría del medio – clase baja; pensar
nativista – clase alta.3
É, sem dúvida, arriscado fixarmo-nos em termos de classes
definidas. Tomemos a ideologia liberal democrática. Como bem
viu Auguste Comte, é uma arma de demolição e teve sua razão de
ser na fase de destruição do absolutismo – mas torna-se incômoda
depois. O filósofo do positivismo exemplifica, com suas ideias a
respeito e sua posição pessoal, um fenômeno geral. Os homens
que marcharam alegremente cantando a Marselhesa tornaram-se
alarmados quando ouviram outros marchando sombriamente cantando a Internacional. Os argumentos que serviram contra o Direito
Divino dos Reis e os privilégios da nobreza podiam ser usados
contra os burgueses. E não há saída. Como tivemos, também, a
perplexidade dos políticos republicanos da França, em face das
revoltas anticolonialistas. Os argelinos e outros aplicaram contra
a França os mesmos argumentos que os franceses aplicaram contra
os seus reis...
Como ficaria um liberal de velha guarda, um republicano
histórico, em face de um plebiscito favorável, visivelmente favorável, à restauração da monarquia, ou mais gravemente ainda,
que se definisse claramente em apoio a uma ditadura? A crise da
política brasileira vem, grandemente, do fato de haver preferido o
eleitorado em muitas eleições os homens do Estado Novo, criando,
assim, geral confusão nos espíritos.
Além deste aspecto que, como vimos, Comte assinalou muito
bem, tanto que era, no fim da vida, contra o “metafisismo democrático”, bom para destruir e ruim para construir, temos outro, que
devemos considerar.
Primeiramente a relação campo-cidade. Está fora de dúvida
que a política sofre consideravelmente das influências do caráter
agrário ou urbano da população. Eleições em meio rural, em
pequenas e médias cidades, e em grandes metrópoles industrializadas conduzem à formação de regimes políticos perfeitamente
diferentes – são três realidades distintas. Aí entram em conta, de
fato, muitos fatores – gênero de vida, concentração da população,
densidade demográfica, etc. Aliás, Montesquieu já dizia que a república era o regime próprio às pequenas comunidades, a monarquia, às grandes e o despotismo, às enormes. Numa comunidade
agrária, o eleitor será sempre um vassalo; nas cidades, o cidadão
segundo os padrões medievais e liberais clássicos; nas metrópoles,
o indivíduo-massa, simples unidade atomizada.
Basta o exemplo da propaganda: ela somente surtirá efeito em
grandes concentrações. Como aplicar a propaganda aos moradores
de uma comunidade reduzida, principalmente de uma comunidade
rural, de casas esparsas? Modernamente o rádio permite uma propaganda atingindo o meio rural, mas aí temos todos os moradores
de uma região e de um país – não os membros da mesma comunidade rural. Não será a propaganda aplicada aos moradores do
vale do rio Tanque – mas a todos os lavradores do vale do rio Doce.
Um candidato local não poderá usar da propaganda, embora possa
conversar com todos os homens. Um candidato nacional poderá
aplicar a propaganda – mas aí a região se diluirá na confusão geral.
(O rádio está permitindo um fenômeno novo – a massificação de
indivíduos separados, a formação de multidões de indivíduos que se
ignoram, mas que estão sujeitos aos mesmos fenômenos que fazem
a psicologia das multidões.)
A difusão, portanto, de uma ideologia que, em linguagem
filosófica, deve ser identificada à doxa, ou “opinião”, dos antigos,
depende, portanto, de circunstâncias diversas, não da força probante
dos raciocínios, aos quais, em geral, ninguém dá muita importância.
Certamente não se poderá, nunca, fixar as razões concretas
pelas quais um determinado sujeito adota esta ou aquela posição,
mas podemos achar perfeitamente natural que um comerciante,
que se fez por seu esforço, seja republicano e que um agricultor,
cuja riqueza depende de fatores naturais, do tempo, das estações,
da fecundidade da terra e dos animais, seja monarquista, por ser um
modo de sucessão que segue os mesmos processos que a natureza.
A definição de uma pessoa concreta ou de uma certa categoria
de indivíduos, vale dizer, uma classe, relativa a uma posição política, é uma afirmação de valores e, assim, está ligada a estados afetivos. Certamente são estados afetivos que determinam os valores
que aceita uma pessoa, são eles que revelam os valores. Toda a obra
de Scheler – e é o filósofo por excelência destas questões – nos diz
em muitos tons e acordes a mesma coisa: os valores nos são dados
por nossos estados afetivos, é o amor ou ódio que revelam o valor ou o desvalor de uma coisa. Ora, as razões que levam o homem a
amar ou a odiar concretamente nos são desconhecidas – só Deus,
“que sonda os rins e o coração dos homens”, pode saber, efetivamente, como e porque um homem determinado formulou a decisão
valorativa concreta.
Ninguém, esta a verdade, se define racionalmente a respeito
de regimes e soluções políticas, mas pelas razões do coração – daí
preferirem os homens as ilusões da liberdade à liberdade efetiva,
daí preferirem um mau governo que se funda em motivos passionais, no ódio ao estrangeiro, aos “burgueses”, aos “judeus”, ou a
qualquer outra espécie de bode expiatório, a um governo racional
que nos resolva os problemas, mas não nos aquece o coração. Daí
Salvador de Madariaga, com desconsolada filosofia de castelhano,
dizer que “países excessivamente bem administrados produzem o
tédio”. Não é importante o fato de que o “securitismo” escandinavo,
que resolveu os problemas sociais e econômicos de nosso tempo,
não despertar entusiasmo nos jovens, nem ter produzido farta literatura, embora apresentando soluções verdadeiramente revolucionárias, enquanto o regime de Fidel Castro, que nada resolveu até
agora, e ter cometido crimes vários, seja a coisa mais conhecida da
América Latina, hoje? A razão é simples: na Suécia adotam soluções
frias, como o gelo – embora resolvendo. Castro fala às paixões dos
homens, e não às inteligências... E em política, como em qualquer
atividade ligada à fixação de valores, “o coração tem razões que a
inteligência desconhece”.
Notas
1. M. Scheler, Le Sens de la Souffrance. Paris, 1936, p. 176-177.
2. Apud Luís Washington Vita, Momentos Decisivos do Pensamento Filosófico. S. Paulo,
1964, p. 426.
3. M. Scheler, Sociologia del Saber. B. Aires, 1947, p. 192.